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Título: Nicole Russo (ao centro) e Cassis Guariniçara (à esquerda) na cerimônia Tape Rupi do povo guarani no Pico do Jaraguá. Ano: 2023. Técnica: Fotografia digital. Autoria: Mylena Simões.
Título: Nicole Russo (ao centro) e Cassis Guariniçara (à esquerda) na cerimônia Tape Rupi do povo guarani no Pico do Jaraguá. Ano: 2023. Técnica: Fotografia digital. Autoria: Mylena Simões.

O Coma Colonial é um dispositivo discursivo que polui e turva o imaginário social a partir de duas ideias centrais e centralizadoras, produzindo dissonância identitária e fantasmas.

As Duas Ideias Centrais e Centralizadoras do Coma Colonial são:

  1. Os Marcos Temporais são Marcos Civilizatórios

  2. A História Única de Um Indígena Único

Sendo a Primeira a Ideia de que Os Marcos Temporais erigidos pelos invasores em territórios originários e ancestrais, tanto simbólicos quanto materiais, são Marcos Civilizatórios, os quais visam instaurar um regime de humanidade capaz de salvar os povos indígenas de sua animalidade e pensamentos mágicos, a fim de melhor disciplinar e espoliar os recursos naturais destas terras, ares e águas, sejam humanos, inumanos ou mesmo culturas inteiras.

Os Dois Marcos Temporais que institucionalizaram essa guerra necropolítica em que ainda vivemos foram A Invenção da América e A Invenção do Brasil, duas ficções coloniais com as quais o projeto colonial prega contra a face e a carne de Abya Yala e de Pindorama nomes, políticas e economias escravocratas, extrativistas, assimilacionistas e, em seu maior delírio perverso, desativadoras e extintoras da ancestralidade indígena, amordaçando nossas culturas e modos de vida tradicionais e contra-hegemônicos.

As Duas Ideias Centrais e Centralizadoras do Coma Colonial são:

  1. Os Marcos Temporais são Marcos Civilizatórios

  2. A História Única de Um Indígena Único

Já a Segunda Ideia é a de que, entre os milênios de coexistência, convivência e coabitação de Abya Yala pelos povos originários e a constituição dos Marcos Temporais, existe somente A História Única de Um Indígena Único, universal, incivil, despolitizado, preguiçoso, folclórico, fiel escudeiro do protagonismo branco e indiscutivelmente aldeado.

Pois uma vez que cruze fronteiras geopolíticas, que desobedeça o regime de Apartheid e caso ouse esboçar uma liberdade ancestral de caminhar livre, descalço, despojado, nômade e irreverente por estas terras, ares e águas ancestrais, sejam as primeiras asfaltadas ou mineradas, os segundos poluídos ou climatizados, as terceiras linearizadas ou contaminadas, todos graças à urbanização, à humanização do mundo numa perspectiva etnocentralizadora, perderás o título condecorativo de indígena.

Vai que o teu RANI pega fogo ao pisares nas cidades rurais ou urbanas! Feliz e fatalmente uma identidade não se concede, nem se escolhe, mas sim se constitui no diálogo da semente com a sua ecologia de desenvolvimento. As identidades indígenas brotam destas terras, ares e águas, uma vez regados com o sangue originário vertido corpos afora pelos chicotes, facões, cachorros e armas de fogo empunhados, apontados e disparados contra nós pelos invasores, de 1500 até os dias de hoje.


LEITURA COMPLEMENTAR

Artista indígena Gustavo Caboco lança livros no MUPA e apresenta performance e curtas

https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Artista-indigena-Gustavo-Caboco-lanca-livros-no-MUPA-e-apresenta-performance-e-curtas


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Nelson D no Urukum Sarau no Sesc 24 de Maio (fotografia por Filipe Russo))
Título: Nelson D no Urukum Sarau no Sesc 24 de Maio. Ano: 2023. Técnica: Fotografia digital. Autoria: Filipe Russo.

Os povos originários de Abya Yala foram tornados, em seus próprios territórios, imigrantes nas e das Américas graças ao projeto colonial, sendo assim endodiaspóricos. Foram expulsos de seus territórios ancestrais, recuando biomas adentro, abandonando as regiões litorâneas e resistindo aos processos de urbanização. Nasce politicamente os povos indígenas das Américas quando os povos originários de Abya Yala resistem e refutam a tutela e a dominação do projeto colonial capitaneado, à época, pelos impérios da Europa Central, em particular os com sede em Inglaterra, França, Espanha e Portugal.

A consciência (política) de classe (indígena) é fundamental à retomada dos territórios simbólicos e materiais saqueados diaria e secularmente pelo projeto colonial. Os povos indígenas só são interessantes para os estados-nação a título de espólio e capital. Uma consciência indígena só pode ser desenvolvida coletivamente, por se tratar de luta política, e requer a crítica a esse modelo instrumentalista, objetificante, neoliberal e desrespeitoso com o qual temos sido socializades, comercializades e explorades.

O Estado Brasileiro tolera as culturas indígenas desde que permaneçam politicamente desativadas e incapazes de flanquear e desestabilizar o projeto colonial, o qual segue com seu curso e suas violências simbólicas e materiais, agora servindo a outros impérios com práticas cada vez mais sofisticadas, sutis e naturalizadas de espoliação. O lugar de fala ofertado aos povos indígenas pelo projeto colonial é o do folclore, o da história única de um indígena aldeado, coadjuvante e fiel escudeiro do protagonismo branco.

Dentre as Vitórias do Projeto Colonial pode-se destacar:

  1. A urbanização dos territórios ancestrais

  2. A ruralização (agropecuária, mineradora, madeireira e militar) dos territórios ancestrais

  3. O genocídio de milhares de indígenas

  4. O etnocídio de centenas de culturas, modos de vida, linguagens e línguas originárias

  5. O enriquecimento dos grandes centros europeus ao custo da miséria indígena, latino-americana e socio-ambiental

Dentre as Derrotas do Projeto Colonial pode-se destacar:

  1. As (sobre)vivências de indígenas isolades

  2. As (sobre)vivências de indígenas em contato recente com a branquitude

  3. As (sobre)vivências de indígenas aldeades

  4. As (sobre)vivências de indígenas autodeclarades em retomada ancestral nos contextos urbanos e rurais

  5. A emergência de coletivos e movimentos civis de resistência ao projeto colonial

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por Adriano e Filipe Russo


Quando se fala sobre reconhecimento de parentes em contexto urbano, uma parte das pessoas exige provas, fazem contestações e hipóteses maldosas sobre disputa de espaços e supostos recursos, quando a nossa ideia central não está contemplada pela disputa, nem pela concorrência.

O problema de trabalhar tão somente no campo das hipóteses é que isso gera discussões desgastantes e pouco a nada úteis, confrontos entre semelhantes e especulações que não se apoiam na realidade material e simbólica das cidades.


A realidade conjuntural em que vivemos é em si a prova da nossa hereditariedade, com evidências históricas e genéticas que se traduzem em nossos corpos (com ou sem a marcação de fenótipos amplamente publicizados), histórias e espiritualidades diversas - ainda que essas últimas, em última instância, sejam metafísicas e individuais, não deixam de possuir características oriundas do social e cultural, inclusive no nosso caso, com matriz indígena.

Não estamos situades entre japoneses de Okinawa, vietnamitas, filipinos ou indonésios. Então de onde vieram as nossas características?

Qual linhagem presente no Brasil nos caberia, se não a indígena?

Não existe a menor intenção de tomar espaços aldeados já antes estabelecidos, nem invadir como se fossem nossos desde o início.

Parentes aldeados, de fato, não nos devem nada e a recíproca é verdadeira. Porém reconhecemos a legitimidade de suas lutas e enxergamos em seu esforço de preservação cultural e étnica possibilidades de reconexão entre indígenas em diáspora.

O reconhecimento por uma comunidade étnica específica não é uma exigência para a identidade indígena mas para utilizar pública e amplamente o nome de um povo é necessário conexão, ter seu reconhecimento consagrado pelo povo em questão. A realidade em toda a América Latina é a dos nossos corpos, rostos e familiares, ainda que apagados e espoliados pelo projeto colonial. Por isso, a necessidade da retomada ancestral.


A realidade das cidades já é e é visceral. Não depende de juízos de valor! Devemos colocá-la em pauta em todos os espaços e comunidades interessadas.


Nascemos como nascemos: brancos demais para sermos negros e escuros demais para sermos brancos.


É importante dizer que o papel de retomada e reencontro com a sua cultura originária cabe a cada indígena autodeclarade, sendo de responsabilidade individual mesmo dentro de um coletivo e cada um realiza este caminho de retorno a um futuro ancestral no seu próprio ritmo e nas suas próprias possibilidades.

Então, como devemos nos chamar, parente?

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